projetos para abrigos no deserto

2014 - exposição no SESC Ribeirão Preto-SP
Por Douglas de Freitas

Já há alguns anos as paisagens e ambientes instigam o trabalho de Helen Faganello. Até pouco, seus trabalhos procuravam criar de maneira bidimensional, e com liberdade construtiva, o que seria o prolongamento dos espaços nos quais ela exibe suas obras. São alongamentos da arquitetura que a artista intervém, estantes que se configuram como se fossem embutidas em nichos arquitetônicos, prateleiras que se entrelaçam em árvores e colunas de ares modernos para depois receber plantas e outros objetos.

Agora a artista descobriu um novo universo. Neste caso, não um universo outro, mas a ficção do que seria a vida neste planeta em um futuro distante, talvez não tão distante assim. Uma distorção mais radical da realidade, não é mais apenas com a aparência do mundo que é distorcida, mas sim seu funcionamento, sua história.

É assim que a artista nos coloca como Marco Polo, do livro As cidades invisíveis de Ítalo Calvino, descobridores de uma nova cidade, de novos habitantes. Ou talvez ainda como cúmplices de uma visão do futuro, para descobrirmos que a cidade que habitamos será desconfigurada e reconfigurada à uma nova situação de vida.

Os trabalhos da série Projetos para abrigos no deserto propõe justamente uma arquitetura para a vida neste novo mundo. Na ficção criada pela artista, as mudanças climáticas do planeta acabaram provocando mutações nas espécies que o habitam. O homem ficou diminuto, seu tamanho mudou para atender a demanda de alimento, escassa nesse período. Já os animais selvagens mais adaptados ao clima árido cresceram, e é a essa nova situação que a arquitetura dessa cidade deve responder.

O que se vê nessa série de desenhos, pinturas e maquetes são estudos para uma nova arquitetura, simplificada pela escassez de materiais disponíveis, e ao mesmo tempo complexa pela situação vivida pela sociedade desta época. As construções estão cheias de periscópios, resultado do estado de atenção em que as pessoas vivem, e se consolidam sobre grandes colunas, longe do solo para garantir segurança, ou ainda enterradas, onde tudo o que pode se notar na paisagem é a ponta de um periscópio.

De ares modernos, repletas de marquises e curvas ao modo de Oscar Niemeyer, essas construções abrigam ainda reservas naturais encapsuladas por vidro. São hortas/jardins vedados para garantir a preservação das espécies, e o alimento para a comunidade dentro das limitações de água sob a qual essas pessoas estão submetidas.

Na presente exposição ficamos no meio do caminho, entre ser esses seres diminutos olhando para o skyline da nossa nova cidade, e ser apenas observadores, que estudam os desenhos dessas novas construções, tentando entender as adaptações as quais essa sociedade foi submetida. 

Douglas de Freitas, agosto de 2014.

 

Projects for shelters in the desert

For some years now, landscapes and rooms have been inspiring Helen Faganello’s work. Until recently, the pieces she produced have sought to two-dimensionally create with constructive freedom what would be the extension of the spaces where she displays her works. They are extensions of the architecture in which the artist intervenes, shelves arranged as if they were embedded in architectural niches, racks that entwine both trees and modern columns to later receive plants and other objects.

Now, the artist has discovered a new universe. In this case, it is not another universe, but a fiction of what would life in this planet be like in a future that’s far away, or maybe not that far away. A more radical distortion of reality in which not only the appearance of the world is distorted, but also its functioning and its history.

This is how the artist puts us in a position like Marco Polo’s from Italo Calvino’s book Invisible Cities: discoverers of a new city, of new inhabitants. Or even maybe as witness-participants of a view of the future in which we will discover that the city we live in will be deconfigured and reconfigured according to a new life circumstance.

The works comprising the series Projetos para abrigos no deserto proposes an architecture suitable for living in this new world. In the fiction piece created by the artist, climate change ended up causing species to undergo a mutation process. The human being has become tiny. Its size changed to better adjust to food supplies, very limited in that period. Wild animals that are better adapted to the arid climate, in their turn, have become bigger and the architecture of the city must respond to this new situation.

What one sees in this series of drawings, paintings, and models are studies for a new architecture, which has become both simpler, due to the lack of material available, and complex, due to the living conditions experienced by society in those days. There are periscopes all over the buildings, since people live in permanent state of alert. To ensure safety everything is either built on the top of high columns, far from the ground, or in the underground. The only thing one sees in the landscape is the tip of a periscope.

These buildings, which are modern and full of marquees and curves that evoke Oscar Niemeyer’s style, house natural reserves safeguarded in glass rooms. They are vegetable and flower gardens protected to ensure the preservation of species and offer food for the community due to the water shortage to which these people are submitted.

In this show, we stand in-between being these tiny creatures looking at the skyline of our new city and being mere observers who study the drawings of these new buildings, trying to understand what sort of adaptation this society had to undergo.

by Douglas de Freitas | August, 2014