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Na casa/ateliê de Helen Faganello

Helen Faganello me convidou para visitar seu ateliê/casa na cidade de São Paulo, antes de se mudar para o interior do Estado. Fiquei emocionada ao entrar na vila de casinhas, que fica em pleno Jardins, em São Paulo, ao me lembrar que havia estado nessa mesma vila há uns trinta anos, quando a querida Aracy Amaral, que agora mora em um belo apartamento com vista para o Jardim Trianon, morava lá. Deve ter sido difícil para ela sair daquela vila tão agradável, com ares de interior, e se mudar para um apartamento que, embora seja maior, não tem o charme e a intimidade da vila, das crianças brincando, dos vizinhos conversando.

Estacionei minha Fielder, que já tem 14 anos, (mas que não troco nem a pau porque é o melhor carro que existe, na minha opinião) em frente à casa da Helen.

A vila continuava igual, exceto pelos prédios bregas, de novos ricos, que construíram em frente, bloqueando, por vezes, a luz do sol. Ela estava na porta da casa, número 30, onde o sol batia sobre muitas plantas espalhadas pela entrada. O pequeno corredor que dava para a entrada da casa, repleto de bambus, folhagens as mais diversas e uma linda trepadeira, cujo nome não me lembro, em flor. Em meio às plantas, alguns vasos de terra muito diferentes e lindos, que, depois, vim a saber, são feitos por ela.

Entrei na sala/ateliê, integrada à cozinha graças a uma reforma que manteve a identidade da casa, ao mesmo tempo tornando-a mais moderna e agradável ao nosso olhar do século XXI. 

Na cozinha, haviam várias mini paisagens, pintadas com tinta a óleo e terra sobre pedaços de madeira, que captaram minha atenção. Vamos tomar um chá?, perguntou Helen, ao que imediatamente respondi sim. Fazia frio. 

Subimos as escada iluminada por uma linda claraboia que dava para os quartos. Tudo simples e muito, muito acolhedor, como toda casa brasileira. Vi algumas pinturas antigas dela, que devia ser mesma época em que realizei o projeto com artistas do Ateliê Fidalga na Torre Santander, em São Paulo. Lembrei da pintura/ instalação que ela fez diretamente na parede do XX andar da Torre, e que encantou muitos funcionários que conviveram por seis meses com ela.

Descemos e fomos à sala/ateliê, onde, sobre uma pequena mesa de jantar, com quatro cadeiras, havia um bolo de iogurte e uma deliciosa mussarela, daquelas “de rasgar”, como minha mãe sempre comprava e chamava, e que eu não comia ha anos. O chá estava pronto. 

Sentamos e começamos a conversar. Meu olhar estava inquieto olhando as pinturas, esculturas e vasos/esculturas que estavam ao nosso redor. Sobre a parede ao lado da mesa, uma série de pinturas, leques japoneses, objetos, obras de outros artistas, uma linda maquete para uma instalação que, para mim, já vale como instalação, e algumas pinturas, lindas, de vasos de vidro com Ctenanthe burle marx dentro, segurados pelas mãos da artista. Auto-retratos, ela me contou. Os mesmos vasos que eu havia visto no corredor de entrada da casa, e que também são fruto do trabalho desta artista tão envolvida com a natureza. 

Helen não precisa ir ao interior ou à praia para estar em meio à paisagem. A paisagem está na casa dela, feita por ela junto com a natureza, que, é claro, sempre intervém em qualquer coisa que a gente plante. Me lembrei de Sandra Gamarra e do que ela disse quando fui à sua exposição na Galeria Leme, onde haviam grandes pinturas douradas onde, nos cantos, ela pintava pequenas paisagens de artistas do século XIX que registravam a América Latina. Lindas, inesquecíveis: “nós somos a paisagem”, me disse a Sandra Gamarra, quando conversávamos. A cultura ocidental nos afastou na natureza e nos levou a pensar que somos espectadores dela. Podemos “estar” espectadores dela no momento, mas sempre fizemos parte da natureza, e sempre faremos. 

Depois de tantos anos, depois do projeto no Santander, entendi o trabalho da Helen e me emocionei. Mais ainda quando soube que ela vai deixar essa casa para se mudar para o interior, próxima à família. Senti que quem estava se mudando era eu...

E as plantas? E os vasos? E tudo que você construiu aqui? Me desesperei porque, para mim, o trabalho da Helen era a casa dela e tudo o que continha lá dentro. E chorei na hora de ir embora.... acho que ela não entendeu nada.

Hoje, estou tranquila, porque sei que as pinturas, vasos e plantas vão com ela, e estou certa de que ela vai construir um novo trabalho na sua nova casa. 

Torço para quem ficar com a casa da vila cuide das plantas que lá permanecem e entenda que fazem parte da casa , da “paisagem”, e de qualquer um que com elas conviva.

Rejane Cintrão, 2021


 

texto da equipe curatorial Yolanda Cipriano e Josué Mattos:

Nesta quarta-feira (27/06/2019) às 19h, o CAC W - Centro de Arte Contemporânea W inaugura três exposições que fortalecem seu compromisso com a difusão de obras e artistas contemporâneos, cujo programa completa-se com oficinas práticas, debates, ações educativas, residências artísticas oferecidas a artistas em formação e uma pesquisa continuada sobre a obra da artista Weimar, fundadora do projeto.

Helen Faganello (Araçatuba, 1949) apresenta Alocasia Negra em Flora Brasiliensis, composta por pinturas, desenhos e esculturas. A série de obras reúne um conjunto de autorretratos em que a artista porta um terrário com a planta que intitula a exposição, um elemento tomado como figura de linguagem que faz do corpo o portador de estruturas complexas, como é o caso do planeta terrário-terra. A artista apresenta, também, um conjunto de esculturas construído de maneira a aproximar a brutalidade de materiais com elementos biomórficos, que convivem com diferentes espécies de plantas.
A segunda parte do título de sua exposição faz menção ao livro homônimo, editado entre 1859 e 1906 pelo botânico Karl Friedrich Philipp von Martius, no qual a artista se deparou com pranchas litografadas e repetiu o processo do editor, que consistiu em inserir espécies catalogadas entre 1817 e 1820. Em seu trabalho, a artista introduz a alocácia negra sobre desenhos que ela reproduziu,fornecendo chaves de leitura sobre processos migratórios e ações de naturalização, da paisagem e de espécies da flora brasileira. Rodrigo Bueno (Campinas, 1967) mantém o ateliê Mata Adentro, em São Paulo, onde realiza projetos que ele apresenta como iniciativas para "tecnologias do encontro". Em Hora do Levante, sua primeira exposição individual em Ribeirão Preto, reconfigura o espaço do CAC W com ações de longa duração, que interferem na arquitetura do jardim com plantas de poder, louros, arrudas, babosa, espada de São Jorge, cultivadas pelos cantos e bancadas. Estes ambientes são definidos pelo artista como espaços "em que a coleta, o cultivo e a cura ativam a sensibilidade e a memória ao longo da montagem." Da edícula do centro de arte, Bueno faz emergir presenças e narrativas periféricas, que revertem noções de margem e centro. Sua instalação, composta por objetos de descarte, retratos de negros e índios, plantas e espelhos, reconfiguram as dimensões do espaço expositivo e colocam o público dentro da obra proposta pelo artista. Envolvido por anos com narrativas dos povos originários e comunidades quilombolas, Rodrigo Bueno realizará, ao longo dos próximos meses, ações educativas, encontros à mesa, debates e oficinas, que farão de Hora do Levante um projeto heterodoxo, responsável pela aproximação de culturas e vozes que transitam pela região. Weimar (Ribeirão Preto, 1945), apresenta a instalação Transcurso, composta por cartas transcritas e registros áudios, objetos pessoais, retratos que se sobrepõem, como que a gerar lembranças comuns a todo ser vivo, transformando em quietude, verbo e poesia o ato e a experiência do luto. Com um conjunto de obras que se debruçam sobre o transcorrer do tempo, sobre suas marcas e presságios, a instalação recorre ao diálogo com o outro a partir de algo que nos aproxima, a saber, nossa experiência de consumidores de tempo que vê, ao longo do consumo, sua própria existência consumida. Em Transcurso temos a impressão que uma vida se faz de muitas, que cada instante documentado e rememorado é um sopro que se sustenta da saudade, força motriz que resguarda a presença dos ausentes. Alvinho é figura central na obra, assim como seus diálogos, percalços, desejos e planos, que se tornam públicos. Seus retratos se espelham e convidam o público ao contato direto com a passagem do tempo, em suas múltiplas configurações, reforçada com a presença de O tempo e o vento, de Érico Veríssimo, que a artista utiliza a partir de reproduções de uma das primeiras edições da obra seminal do autor. E se imagens e textos são testemunhas da busca pela vida ininterrupta, o manusear dos livros presentes na exposição sugerem e indicam recomeços, a cada nova leitura.

 
 

Geografias – nosso lugar é caminho
(ao meu amor)

Geografia é a área do conhecimento que estuda a paisagem formada pela relação entre os sistemas de ações ou práticas sociais do humano e o sistema de dispersão de objetos no mundo. Muito além de um conjunto de características morfológicas, a geografia deve ser entendida como a atividade constante de criação de encadeamento lógico sobre a ordem espacial das coisas. É por meio da pesquisa geográfica (na relação entre espaço, sentido e valor, por exemplo) que podemos produzir conceitos para uma teoria social sobre contemporaneidade de forma a construir, também, a própria transformação do mundo que habitamos.
Tudo o que o humano realiza na superfície da terra, ou seja, toda expressão da técnica que transforma fisicamente a paisagem a partir da própria paisagem, acontece para atender às necessidades humanas mais fundamentais, como nutrir-se, abrigar-se, relacionar-se, reproduzir-se, movimentar-se, ter consigo objetos úteis, dar sentido a si e às coisas etc. O que podemos encontrar quando examinamos atenciosamente o espaço que o humano construiu para lhe rodear? De que forma aquilo que nos cerca está para nos ensinar sobre nós mesmos? A paisagem complexa em que vivemos é resultado de muitas camadas de história sobre o mesmo lugar, de sequências de diferentes relações entre atividade humana e estrutura física do mundo. A geografia escuta as perguntas feitas pela paisagem, composta por suas tantas marcas enigmáticas.
Da perspectiva cultural, a paisagem é justamente onde acontece a mediação entre o mundo das coisas e o da subjetividade humana, é uma “forma de ver”, é o objeto do processo ativo de criação e significação de “perceber” o mundo.
A presente exposição reúne frutos muito diversos dos encontros entre os sussurros das paisagens de Santos e as pesquisas de um grupo de artistas. “Geografias – nosso lugar é caminho”, é a segunda mostra de uma trilogia iniciada no Sesc Jundiaí em 2016 e que se encerrará em São Paulo em 2018. A palavra “Geografia” (que, sobretudo, é uma ciência moderna, constituída e constituinte da epistemologia hegemônica), em sua presença nos títulos das mostras, serve como metáfora à site-specificity das pesquisas realizadas.
Esse projeto resulta da articulação coletiva entre sete artistas que são atuais membros ou antigos participantes do grupo de estudos do Ateliê Fidalga, conduzido pelos artistas Sandra Cinto e Albano Afonso na capital paulistana. O subtítulo da mostra faz referência ao fato de que, entre os meses de dezembro de 2016 e fevereiro de 2017, os artistas organizaram, em parceria com o SESC e com a participação do público, uma série de caminhadas por diversas regiões da cidade, nas quais puderam praticar formas alternativas (não-científica, não-hegemônicas) de criar paisagens, de examinar o espaço urbano.
O caminhar é um processo especial de reconhecer territórios e de construir conhecimento sobre um lugar. Na deriva ambulatória, não vemos o mundo com o distanciamento de quem observa um mapa como se sobrevoasse a cidade com olhos universais. Caminhando ao rés do chão, podemos ver as marcas do tempo e da história, não contornamos os sinais da desigualdade social e da exploração do homem pelo homem, carregamos dentro de nós nossa cultura, sentimos os cheiros das esquinas, estamos igualitariamente com objetos, animais e plantas, somos menores que os muros, maiores que quase nada.
Foi por meio do caminhar em Santos que os artistas Cristina Ataide, Daniel Caballero, Flavia Mielnik, Helen Faganello, Laura Gorski, Renata Cruz e Renato Leal investigaram essa cidade cujo desenvolvimento é entrelaçado à História do Brasil, com um fluxo de formação social e cultural complexo e cheio de dobras, que é parte insular e parte continental, diretamente ligada ao fundo do Oceano Atlântico e ao topo Serra do Mar, que contém o maior porto da América Latina e uma enorme Área de Proteção Ambiental. Os diferentes aspectos da geografia de Santos ecoaram vacantes em cada um dos artistas de maneira que essa exposição oferece ao público paisagens que são fragmentos costurados de paisagem. Essa mostra, uma reunião de olhares simultâneos e alternativos sobre o mesmo lugar, nos inspira a noção de há muitas maneiras de perceber, aprender e se envolver afetivamente com um mesmo entorno. Pois, afinal, o que será que responderemos às paisagens quando passarmos a nos permitir ouvir as perguntas que nos fazem?

Bernardo Mosqueira, fevereiro 2017.

 

projetos para abrigos no deserto

Por Juliana Monachesi

O que acontece depois que tudo é destruído? Esta era a pergunta que rondava os pensamentos da artista na sequência da série de colagens Invasões (2011), que retrata sobrados antigos e outras construções invadidos por raízes num mundo pós-apocalíptico. A “invasões” desdobraram-se em instalações site specific concebidas para museus e centros culturais, onde os galhos e raízes se espalhavam pelo piso e as paredes, denunciando a artificialidade do que havia dentro das instituições de arte face à natureza ignorada do lado de fora. Na narrativa distópica da obra engajada de Helen Faganello, ocorreu um extermínio ficcional mútuo: a natureza venceu a civilização, mas quando esta já havia inviabilizado a existência da biodiversidade. O que acontece depois que tudo é destruído? O deserto. Os desenhos da série Projetos para Abrigos no Deserto (2012-2015) são um esforço de imaginação adaptativa. Sob a condição inóspita do calor e da seca, das constantes tempestades de areia, como viveriam os poucos seres humanos que restaram e conseguiram, por meio de mutações genéticas e ao longo de milhares de anos, se adaptar ao novo e desfavorável habitat? Em abrigos no deserto. Nos Projetos para Abrigos, cidades emergem sobre pilotis altíssimos. “Porque a paisagem se move constantemente, mas as cidades precisam permanecer no lugar”, explica a artista. Erigidas com os elementos mais básicos – tijolo e vidro –, as edificações contam ainda com pequenas hortas constituídas de cactos, espadas de São Jorge e outras poucas plantas resistentes ao clima desértico. Para observação dos perigos no exterior, os abrigos têm periscópios, tanto no alto, como rasteiros. Os desenhos, assim como a maquete, nos falam de um mundo arrasado e distópico, em que, entretanto, existe um resquício de esperança e de bom humor.


projetos para abrigos no deserto

2014 - exposição no SESC Ribeirão Preto-SP
Por Douglas de Freitas

Já há alguns anos as paisagens e ambientes instigam o trabalho de Helen Faganello. Até pouco, seus trabalhos procuravam criar de maneira bidimensional, e com liberdade construtiva, o que seria o prolongamento dos espaços nos quais ela exibe suas obras. São alongamentos da arquitetura que a artista intervém, estantes que se configuram como se fossem embutidas em nichos arquitetônicos, prateleiras que se entrelaçam em árvores e colunas de ares modernos para depois receber plantas e outros objetos.

Agora a artista descobriu um novo universo. Neste caso, não um universo outro, mas a ficção do que seria a vida neste planeta em um futuro distante, talvez não tão distante assim. Uma distorção mais radical da realidade, não é mais apenas com a aparência do mundo que é distorcida, mas sim seu funcionamento, sua história.

É assim que a artista nos coloca como Marco Polo, do livro As cidades invisíveis de Ítalo Calvino, descobridores de uma nova cidade, de novos habitantes. Ou talvez ainda como cúmplices de uma visão do futuro, para descobrirmos que a cidade que habitamos será desconfigurada e reconfigurada à uma nova situação de vida.

Os trabalhos da série Projetos para abrigos no deserto propõe justamente uma arquitetura para a vida neste novo mundo. Na ficção criada pela artista, as mudanças climáticas do planeta acabaram provocando mutações nas espécies que o habitam. O homem ficou diminuto, seu tamanho mudou para atender a demanda de alimento, escassa nesse período. Já os animais selvagens mais adaptados ao clima árido cresceram, e é a essa nova situação que a arquitetura dessa cidade deve responder.

O que se vê nessa série de desenhos, pinturas e maquetes são estudos para uma nova arquitetura, simplificada pela escassez de materiais disponíveis, e ao mesmo tempo complexa pela situação vivida pela sociedade desta época. As construções estão cheias de periscópios, resultado do estado de atenção em que as pessoas vivem, e se consolidam sobre grandes colunas, longe do solo para garantir segurança, ou ainda enterradas, onde tudo o que pode se notar na paisagem é a ponta de um periscópio.

De ares modernos, repletas de marquises e curvas ao modo de Oscar Niemeyer, essas construções abrigam ainda reservas naturais encapsuladas por vidro. São hortas/jardins vedados para garantir a preservação das espécies, e o alimento para a comunidade dentro das limitações de água sob a qual essas pessoas estão submetidas.

Na presente exposição ficamos no meio do caminho, entre ser esses seres diminutos olhando para o skyline da nossa nova cidade, e ser apenas observadores, que estudam os desenhos dessas novas construções, tentando entender as adaptações as quais essa sociedade foi submetida. 

Douglas de Freitas, agosto de 2014.

 

Projects for shelters in the desert

For some years now, landscapes and rooms have been inspiring Helen Faganello’s work. Until recently, the pieces she produced have sought to two-dimensionally create with constructive freedom what would be the extension of the spaces where she displays her works. They are extensions of the architecture in which the artist intervenes, shelves arranged as if they were embedded in architectural niches, racks that entwine both trees and modern columns to later receive plants and other objects.

Now, the artist has discovered a new universe. In this case, it is not another universe, but a fiction of what would life in this planet be like in a future that’s far away, or maybe not that far away. A more radical distortion of reality in which not only the appearance of the world is distorted, but also its functioning and its history.

This is how the artist puts us in a position like Marco Polo’s from Italo Calvino’s book Invisible Cities: discoverers of a new city, of new inhabitants. Or even maybe as witness-participants of a view of the future in which we will discover that the city we live in will be deconfigured and reconfigured according to a new life circumstance.

The works comprising the series Projetos para abrigos no deserto proposes an architecture suitable for living in this new world. In the fiction piece created by the artist, climate change ended up causing species to undergo a mutation process. The human being has become tiny. Its size changed to better adjust to food supplies, very limited in that period. Wild animals that are better adapted to the arid climate, in their turn, have become bigger and the architecture of the city must respond to this new situation.

What one sees in this series of drawings, paintings, and models are studies for a new architecture, which has become both simpler, due to the lack of material available, and complex, due to the living conditions experienced by society in those days. There are periscopes all over the buildings, since people live in permanent state of alert. To ensure safety everything is either built on the top of high columns, far from the ground, or in the underground. The only thing one sees in the landscape is the tip of a periscope.

These buildings, which are modern and full of marquees and curves that evoke Oscar Niemeyer’s style, house natural reserves safeguarded in glass rooms. They are vegetable and flower gardens protected to ensure the preservation of species and offer food for the community due to the water shortage to which these people are submitted.

In this show, we stand in-between being these tiny creatures looking at the skyline of our new city and being mere observers who study the drawings of these new buildings, trying to understand what sort of adaptation this society had to undergo.

by Douglas de Freitas | August, 2014


mergulho no deserto

2014 - exposição de Helen Faganello e Eduardo Srur - galeria Rabieh -
Por Juliana Monachesi

Muito antes do previsto, mesmo nas mais catastróficas versões, a água doce se tornou o ouro branco da civilização humana. Dois artistas brasileiros – reunidos pela marchande Lourdina Jean Rabieh em individuais simultâneas em sua galeria a partir deste mês – são movidos pela inquietação comum com o destino da água. E desde muito antes de os paulistanos começarem a estocar água da chuva, economizar no número de descargas ou pararem de lavar os seus carros semanalmente por causa da maior estiagem em 45 anos que assola São Paulo e adjacências desde o início do ano.

São famosas as intervenções urbanas de Eduardo Srur que têm como foco o Rio Pinheiros. Em 2006, por exemplo, o artista espalhou pelo rio dezenas de caiaques tripulados por manequins de plásticos – ação que vocalizava uma dura crítica à navegabilidade perdida do Pinheiros. Este ano, Srur surpreendeu aos que circulam pelos arredores do Rio ao instalar 5 trampolins “tripulados” em pontes estratégicas.

Parte de um projeto que estivera em gestação desde 2012, o conjunto de banhistas prestes a mergulhar, posicionados bem na ponta da longa prancha azul, tinha por objetivo principal aludir à impossibilidade de nadar no Pinheiros por causa da irrefreável poluição do rio. Porém, tanto quanto acontecera na ocasião do trabalho dos caiaques – que ficaram presos num mar de lixo e foram, por isso, parar nas capas dos jornais – a obra dos trampolins, novamente à revelia do artista (ou de suas intenções iniciais), foi investida de novos significados em decorrência da seca.

São estes objetos que agora habitam a Galeria Rabieh, na exposição Trampolim. A outra artista que faz individual no espaço é Helen Faganello, mostrando uma série que tematiza um futuro distópico em que a Terra se transformou num deserto, onde abrigos inteligentes permitem que a civilização continue. Também Helen tem sua trajetória marcada por inquietações acerca do embate entre cultura e natureza. Na série Invasões (2012), por exemplo, a artista mesclava colagem e desenho para retratar antigas construções sendo invadidas ou já tomadas pelas plantas do entorno. Ali, pode-se aventar, começava a se delinear o cenário pós-apocalíptico que vamos encontrar nos recentes Projetos para Abrigos no Deserto.

Srur e Helen foram os artistas do novo time da Galeria Rabieh escolhidos para inaugurar o programa de exposições individuais no novo espaço. A reunião dos dois está longe de ter sido obra do acaso. A dupla abertura anuncia algumas das características do projeto que Lourdina está desenhando para a sua galeria. Em primeiro lugar, a sintonia fina com os eventos mais prementes do seu tempo. Depois,

o compromisso de conceituar o programa do espaço – que envolve exposições, residências artísticas, aulas e encontros – de forma coerente e crítica. E, finalmente, a atuação muito próxima dos artistas, sem pudores de interferir propositivamente no rumo de seus processos individuais. Em outra palavras, foi a galerista quem provocou Srur a pensar um desdobramento indoors para seu projeto de intervenção urbana com os trampolins. Assim como partiu de Lourdina a sugestão de repensar uma mostra individual que Helen acabara de encerrar em Ribeirão Preto para o espaço em São Paulo.

Nas duas operações, percebo um papel crítico da galerista. Durante as 6 semanas em que as esculturas de Srur ocuparam espaços de grande visibilidade em pontes ao longo do Rio Pinheiros (como Cidade Universitária, Eusébio Matoso e Cidade Jardim), aconteceu de tudo um pouco: ligações para o corpo de bombeiros de motoristas que acharam que se tratava de um suicida; “atentados” contra os manequins (que foram vítima de banho de tinta, tiro, decapitação e também suporte para propaganda eleitoral...); grande número de fotos postadas no Instagram de todos os ângulos possíveis; selfies com os banhistas; elogios à iniciativa de lutar por um rio despoluído e indignação com o perigo a que estiveram submetidos os desavisados etc. O que significa, depois deste longo histórico de interações com a obra, levá-la para dentro de uma galeria?

Existe o risco de apaziguamento. Protegida dos ataques e das intempéries, protegida da repercussão entre pessoas não especializadas em arte, a obra perde força? Há, de outro lado, a possibilidade de adensamento conceitual. Na galeria, os “suicidas” ou “bonecos engraçadinhos de alguma campanha de conscientização” tornam-se única e exclusivamente esculturas. Terão a potência de um Ron Mueck, que, por coincidência, está sendo exibido em São Paulo no mesmo período?

Antes mesmo deste corpo a corpo com a obra no espaço, elenco algumas intuições sobre o que irá se passar. Sem o rio abaixo delas ou a paisagem urbana da Marginal Pinheiros ao seu redor, as esculturas não estarão “mais protegidas”. Pelo contrário. Seu poder de sugestão de um mergulho irá, muito provavelmente, evocar um Yves Klein ou um Bas Jan Ader em seus saltos para o vazio e o desconhecido. Envoltas nesse contexto poético, poderão também trazer à mente uma narrativa deliciosa de banhistas que percorre a história da arte: Rembrandt, Ingres, Renoir, Picasso, Matisse, Katz, Sasnal... Também haverão de provocar um efeito oposto àquele que propiciavam na rua, onde eram um entre milhões de estímulos: distribuídos no cubo branco, poucas peças em meio à vastidão do local, creio que produzirão um silêncio cortante.

Do silêncio à meditação: saindo da exposição de Srur, vamos deparar com as obras de Helen Faganello. Em sua maioria, são aquarelas – que já principiam a tratar da água na própria técnica escolhida pela artista. Em tons rebaixados, meditativos, vemos os abrigos para sobreviver no deserto. Eles são verdadeiras cidades suspensas em um clima desértico, mas dotadas de plantações de cactos e suculentas, protegidas por invólucros coloridos feitos de vidro e tijolos. Os periscópios nos projetos sugerem que parte das cidades está abaixo do solo, podendo estes ter por objetivo vigiar – caso as civilizações sobreviventes estejam em guerra – ou observar a paisagem exterior – suposição mais poética, a sugerir uma nostalgia contemplativa. Nenhuma resposta é dada.

Espécie de cruzamento entre Buckminster Fuller e Atelier Van Lieshout, a arquitetura de Helen Faganello convida a pensar no futuro, flerta com visões futuristas do passado e, sobretudo, põe em xeque nossa presente estiagem e descuido com a água. Pinturas que não estavam na mostra em Ribeiraõ Preto foram acrescidas na montagem paulistana, e aquarelas botânicas, além de alguns objetos, integram também a mostra. Operação crítica, mais uma vez, da galerista, que põe em questão uma ecologia expositiva, tanto ao proporcionar a um público mais amplo o acesso à bela exposição da artista, quanto ao demonstrar que uma exposição, quando remontada, nunca é a mesma exposição, pois o contexto a transforma.

novembro de 2014. 

 

a dive in the desert

Long before what has been predicted in even the most catastrophic theories, freshwater became the white gold of human civilization. Two Brazilian artists – brought together by the art dealer Lourdina Jean Rabieh in individual shows held simultaneously in her gallery and opening this month – are driven by a common concern regarding what will happen to water. And since much longer before the inhabitants of São Paulo began to stock up on water from the rain, reduce toilet flushing or stop washing their cars every week due to the longest dry season São Paulo and region have witnessed in 45 years.

Eduardo Srur’s urban interventions whose focus is the Pinheiros River are famous. For example, in 2006, the artist spread along the river dozens of kayaks manned by plastic mannequins – an action that expressed a harsh criticism against Pinheiro River’s lost navigability. This year, Srur surprised those who pass by the surroundings of the River by placing 5 “manned” springboards on strategic bridges.

Part of a project he had been conceiving since 2012, the set of swimmers ready to dive, placed right on the edge of a long blue springboard, aimed at referring to the impossibility of swimming in the Pinheiros River due to unstoppable pollution. However, similarly to what happened with the work that had kayaks – which got stuck in a pile of garbage and made newspaper covers for that – this work, with the springboards, despite the artist (or of his first intentions), gained new meaning because of the dry season.

These are the objects that are now housed in Galeria Rabieh, in the show entitled Trampolim. The other artist who is having a solo show in the same space is Helen Faganello, who displays a series whose theme is a dystopian future in which the Earth became a desert where intelligent shelters allow the civilization to remain existing. Faganello’s career is also marked by concerns regarding the clash between culture and nature. In the series entitled Invasões (2012), for example, the artist combined collage and drawing to depict old buildings being invaded or already covered by plants. One may suppose that the post-apocalyptic scenario that we will see in her recent Projetos para Abrigos no Deserto began to be outlined there.

Srur and Faganello are artists from the new group represented by Galeria Rabieh who were chosen to open the solo show program of the new space. Bringing them together is far from being a chance event. The double opening announces some of the features of the project Lourdina is conceiving for her gallery. Firstly, there is the consonance with the most urgent issues of our days. Then, the commitment to conceptualize the program of the space – which involves exhibits, artist residencies, classes and meetings – in a coherent and critic-oriented fashion. And, finally, become close to the artist’s actions without being afraid to make propositions regarding the direction of their individual processes. In other words, it was the gallerist who encouraged Srur to think about an indoor development for his springboard urban intervention project. Likewise, it was Lourdina who suggested Faganello to re-conceive the individual show she had just closed in Ribeirão Preto and present it in São Paulo.

In both procedures, I see a gallerist who plays a critical role. Throughout the 6 weeks Srur’s sculptures occupied highly visible spaces on bridges along the Pinheiros River (such as Cidade Universitária, Eusébio Matoso and Cidade Jardim Bridges), a bit of everything happened: drivers called the fire brigade thinking it was someone trying to commit suicide; there were “attempts” against the mannequins (they were bathed with paint, they were shot, beheaded and also served as support for political advertising...); there was a high number of photos of them posted on Instagram in every possible angle; people took selfies with them; the artist was praised for calling for a clean river, whereas some where revolted by the danger posed to those who did not what it was, etc. After this long background of interaction with the work, what does taking it to a gallery mean?

There is the risk of appeasement. Does the work lose its power when protected from attacks and adversities, from its effect on people who are not art specialists? One the other hand, there is the possibility of a conceptual deepening. Inside the gallery, the “suicidal people” or the “funny dolls that are part of an awareness-raising campaign” become solely and exclusively sculptures. Will they be as powerful as a piece by Ron Mueck, on whom, by coincidence, a show is being held in São Paulo in the same period?

Before the face-to-face encounter with the work in this space, I’ll list some of my thoughts on what will happen. Without the river below these sculptures or the urban landscape of Marginal Pinheiros surrounding them, they will not be “more protected.” On the contrary, its power of suggesting a dive will very likely evoke an Yves Klein or a Bas Jan Ader in their leaps to emptiness and to the unknown. In this poetic context, they will also be able to bring to mind a delicious narrative of swimmers that is present in art history: Rembrandt, Ingres, Renoir, Picasso, Matisse, Katz, Sasnal... They will also cause an effect opposite to the one they offered on the street, they were one in a million stimuli: arranged inside the white cube, these few pieces inside that vast place will produce deep silence.

From silence to meditation: leaving Srur’s show, we will see Helen Faganello’s work. They are mostly watercolors – which already raises the issue of water in the very technique chosen by the artist. In tinted and meditative tones, we see the shelters to survive in the desert. They are true suspended cities in a desert climate, but have cactus and succulent gardens protected by colored containers made out of glass and bricks. The periscopes located in the projects suggest that there is also an underground city, and the periscopes might be there for surveillance – in case the surviving civilizations are at war – or to observe the external landscape – a more poetic assumption that suggests a contemplative nostalgia. No answer is given.

Helen Faganello’s architecture is a sort of a crossbreeding of Buckminster Fuller and Atelier Van Lieshout and invites us to think about the future, hints at futuristic predictions from the past and, mainly, questions the current dry season and carelessness regarding the use of water. Paintings that were not part of the show in Ribeiraõ Preto were included in the São Paulo show; botanic watercolors, as well as some objects, are also part of the show. It is another critical move by the gallerist who questions an exhibition ecology both by offering the public the opportunity to get in touch with the artist’s beautiful show and by demonstrating that when an exhibition is reassembled it is never the same, because the context changes.

Juliana Monachesi, 2014


realidade natural ou realidade abstrata

exposição de Helen Faganello e Bettina Vaz Guimarães no Espaço T, cidade do Porto, Portugal
Por Maria de Fátima Lambert

“Y: Que beleza!
X: Que profundidade de tom e colorido!
Z: Que repouso!
Y: Afinal, a si, a natureza também o emociona?
Z: Se não fosse assim, não seria pintor.
Y: Como você já não pinta o natural, pensei que já não o impressionava nada.
Z: Pelo contrário. A Natureza emociona-me profundamente. Só que tenho de a pintar de um outro modo.”1

As intervenções de Bettina Vaz Guimarães e de Helen Faganello dão continuidade a um trabalho de pesquisa sobre o espaço da/na Quase Galeria, estabelecendo sempre novas vontades estéticas e configurações plásticas – desenvolvido desde 2008 e assegurado mediante a apresentação de artistas de diferentes gerações e países, em particular portugueses e brasileiros. Assim, se promovem os diálogos interculturais e intergeracionais, procurando um enriquecimento mútuo e a divulgação de ideias, obras e identidades.

No presente caso, trata-se da concretização de intervenções específicas mostrando como um espaço é alterado de forma constitutiva, quase entranhada, transformando- o relativamente àquilo que quando vazio e despojado, aparenta ser.
As determinações de localização e expansão no espaço físico da galeria atravessam as fronteiras da sua arquitetura mais quieta. Ou seja, a inserção e viagem de estruturas bi e tridimensionais institui alterações significativas, demonstrando como os dados da perceção podem ser transformados e extrapolam os limites aparenciais de incursões tomadas como possíveis.

“Realidade Natural ou realidade abstrata”, a partir do título homónimo do livro de Mondrian, pareceu-me uma síntese do pensamento das duas artistas atendendo aos conceitos que estruturam as presentes intervenções.
Qual é a realidade matural e qual a realidade abstrata? Quando uma interfere na outra? E como as determinamos e caraterizamos como tal? Será que – de algum modo ambíguo – quase se equivalem? Qual a percentagem de natureza patente na planificação geométrico-abstrata que explicite uma composição que avança sobre a convencionalidade bidimensional, travessando-se em espessura e volumetria plasmado no vazio do espaço?

A intenção das artistas paulistanas coincide numa abordagem ao espaço físico da sala da galeria, baseado num primeiro conhecimento possível, intermediado através de plantas e fotografias que fui mostrando e enviando desde junho de 2013. Durante quase cerca de um ano, a metodologia de trabalho desencadeou-se, com momentos em que, estando em São Paulo, me foi possível reunir com as artistas e confirmámos estratégias de “aproximação” a transladar, posteriormente, para o “in loco”. A partir da análise de montagens de exposições e intervenções anteriores, na sequência de inúmeras conversas e, sobretudo, uma pesquisa acurada que uma e outra desenvolveram, surgiu a deliberação para estes projetos in situ. Os conceitos fundamentais que presidem e subsidiam as obras permitam concatenações e projeção de relacionalidades e confrontos, resumidos assim: 

“A natureza, que no seu ser e no seu sentido profundos nada sabe da individualidade, graças ao olhar humano que a divide e das partes constitui unidades particulares, é reorganizada para ser a individualidade respectiva que apelidamos de "paisagem".”2

A Natureza está lá, disponível para ser olhada, tocada, cheirada, mastigada e querendo ser cativada em imagens que os humanos inventam. A Natureza existe e os filósofos pré-socráticas encontraram argumentações fundadas em matérias pulsáteis primordiais – os 4 elementos – para explicar como o mundo surgiu assim. A natureza convoca esses quatro elementos que, em meados do séc. XX, Bachelard organizou por confronto com as explicitações prioritárias/matérias que os criadores privilegiam3. Nem sempre existiu paisagem. Isso, por certo. A paisagem, no Ocidente é invenção mais recente que no Oriente. Demorou, tomou posse, determinou condições para sobrevivência e, definitivamente, expandiu-se e persiste.

“Por natureza entendemos o nexo infindo das coisas, a ininterrupta parturição e aniquilação das formas, a unidade ondeante do acontecer, que se expressa na continuidade da existência espacial e temporal.” (...)
"Um pedaço de natureza" é, em rigor, uma contradição em si; a natureza não tem fracções; é a unidade de um todo, e no momento em que dela algo se aparta deixará inteiramente de ser natureza, porque ele só pode existir justamente no seio dessa unidade sem fronteiras, só pode existir como uma onda da torrente conjunta que é a "natureza".4

O conceito de Natureza, em termos epistemológicos, remete para uma abordagem específica, situada nas indagações históricas da Filosofia da Natureza, que tanto foi ponderada por autores de diferentes tempos e doutrinas. Pensar a natureza significa pensar a origem do mundo, a sua ordem e organização, harmonia, proporção e simetria...relembrando a estética dos pitagóricos, nas suas convicções hermetistas e sagradas. Bem como a convocação do pensamento pré-socrático que buscou nos 4 elementos, o fundamento da Criação. A natureza, temível e incompreensível, sedimentou os questionamentos desde as origens da humanidade, sempre promulgando a necessidade de se densificar e sistematizar em saberes tranquilizadores que, progressivamente assegurassem o domínio do homem sobre, exatamente...a natureza e seus fenómenos terríficos! Nesta consciência do perigo, dos riscos que ao longo de séculos, o homem provocou a si e seus semelhantes, surge a consignação antecipatória, o alerta que Helen Faganello corporalizou numa visão idealista e de equívoca tranquilidade, lentidão e quietude.

“Inúmeras vezes deambulamos pela natureza livre e avistamos, com os mais variados graus de atenção, árvores, cursos de água, prados e searas, colinas e casas e outras mil alterações da luz e das nuvens - mas, lá por atendermos a um pormenor ou contemplarmos isto ou aquilo, ainda não estamos conscientes de ver uma "paisagem". Pelo contrário, semelhante conteúdo particular do campo visual não há-de acorrentar o nosso espírito.”5 

Na sua intervenção vemos elementos consignados que entrelaçados constituem uma extensão de paisagem.
A paisagem é uma decisão e exige a demarcação de lugar: estabelece e localiza: “Ver como paisagem uma parcela de chão com o que ele comporta significa então, por seu turno, considerar um excerto da natureza como unidade - o que se afasta inteiramente do conceito de natureza.”6

Ser e designar paisagem Implica um ato consciente, a deliberação de alguém relativamente a um território que é despossuído, todavia suscetível de ser escolhido. Perante a “panorâmica” , esta veduta que nos é presencializada, questiona-se se estamos perante natureza, se perante paisagem ou se ambas se contaminam, concebendo uma unidade terceira e congregadora de efabulações estéticas e antropológico-culturais (simbólicas).

A Natureza entra dentro de casa (que é a galeria), fixa-se nas suas paredes. Decididamente, neste caso a natureza não precisa de ser paisagem sozinha e estabelecida...pode vaguear na receção que cada visitante e espetador lhe atribue pois lhe permite criar associações de caminhadas, jornadas e errâncias, contrariando o sedentarismo da casa. A natureza traz o “deserto” de ausências, se ninguém estiver em casa... e mesmo que esteja...fica plasmada a identidade pessoalizada da perceção que cada um de nós atribua a este mundo cativado que está disponível a ser mergulhado.

A intervenção de Helen Faganello intitula-se “Sem título com casamatas”. Casamata evoca o contexto de guerra, de resistência...todavia não há rasto nítido ou direto de seres humanos na natureza, tampouco de figuras na paisagem. Todavia as construções são produto do humano em sociedade, testemunho da sua vivência cohabitada, participada. A casa em versão casamata pode também assumir o seu papel no universo do pensamento bachelardiano, obrigando a descodificação de sentidos concatenados que contribuem para aceder à essência primordial. As paredes, os cantos, as janelas e portas, tanto quanto, as escadas e o sótão asseguram o seu estado encantatório, devidamente assinado pelas caraterísticas fatuais da arquitetura que a determinou enquanto casa.
Pontuando a visita às intervenções, saliente-se que estão lá:

1. Flores e folhas, móveis e periscópios na sala, estando a porta da varanda fechada. (Helen Faganello)
2. Mapa de estudo de cores a subir através do vazado do mezanino e até à claraboia. (Bettina Vaz Guimarães)

“A casa é conceito de síntese que concilia (por vezes) os patamares do individual e do gregário; orienta-se (quase sempre) pela integração entre o interior e o exterior; dirige (com forte razão de sucesso) a reconciliação entre pensamentos, recordações e sonhos; derrota (oh! utopia!) o maniqueísmo judaico-cristão – corpo e alma. 

As casas prendem-se a um sítio específico, embora existam casas que foram movidas para territórios mais auspiciosos. Foram levadas pela força sobre-humana de pessoas e comunidades. Considero-as: casas-viagem-sobrevivência. Mas, a maior parte das casas prefere uma boa decisão hierática e quieta; tal como se lhes reconhece a estabilidade, em mapas de pormenor e demais topografias.

A casa é abrigo ou (apenas) tolera o homem/microcosmos. Deveria ser o ecossistema personalizado e intransmissível de cada um, antes de ser propriedade privada (em consagração sociológica).” 

A casa é habitada pelas cores que ocupam um pensamento exploratório, empreendido por Bettina Vaz Guimarães, e concretizando-se em estudos sucessivos destinados a espaços escolhidos. Esses desenhos com cor sistematizam uma indagação assim como um reconhecimento do local tomado como “alvo” para intervenção. Os locais trabalhados pela artista permitem uma auscultação progressiva, desenrolada a partir da teorização e abordagem filosófica da cor, sobretudo, fundada em Josef Albers. 

Contrariamente às casamatas/casas de Helen Faganello, em Bettina Vaz Guimarães as casas são o continente para abrigar as cores. As cores são escolhidas, concebidas a partir de sequencialidades possibilitadas pela ars combinatória estipulaladora, revendo e prevendo, situação a situação. Entre os estudos destinados aos diferentes tópicos arquitetónicoas existem uma espécie de passagem de testemunho. As cores atravessam os lugares, convertendo-os em simulacros de indagação pessoal exprimida pela sua dinâmica, nos planos de cor racional e intuitivamente vivificados. O vazio está no dentro da casa, não necessariamente, no exterior desse habitáculo. A casa pode assumir-se também como o espaço para alocação de obras artísticas, sendo casa de todos – Espaço T.

Nem todas as casas significam dimensionamento gregário. As casas podem isolar-se para contentar os eremitas, esses que são, de certa forma, ausentes do gregário – ainda que consignados à responsabilidade moral e societária. Então, regressando às definições de Helen Faganello, pense-se em casas que se isolam no deserto, saudando uma vastidão sozinha e apocalítica mesmo. Lembre-se Wim Wenders, no filme Até o fim do mundo (1991), entre outras obras antecipatórias do suposto “fim dos tempos”. 

Não importa qual o tempo. O tempo dos eremitas e dos ausentes está sem tempo para ser. Daí, a necessidade dos periscópios que espreitam, saindo de locais inesperados do “dentro” da paisagem pintada que é muito mais “natureza” do que invenção. Os periscópios são metáforas de ausência. Presentificam os humanos ausentados num tempo em que, porventura Helen Faganello sinalizou esse “fim dos tempos”. Pode especular-se acerca da total ausência de humanidade num futuro projetado numa datação sem fim. Por outro lado, o tipo de habitação representada remete para a memória das casas palustres. Uma tal tipologia de habitação organiza o pensamento, retrocedendo até uma cronologia dos primórdios da civilização, uma indexação, portanto, de um período em que os homens estavam “dentro” da natureza, não da paisagem. Um tempo primordial, arquetípico. Assim, esta figuração do habitado possui uma valência arquetípica. E, simultaneamente, ambos os conceitos são convocados: natureza e paisagem. 

As flores, as folhas são catos. Os catos associam-se aos terrenos desertificados, que é exatamente o caso plasmado da realidade imaginária desta intervenção de Helen Faganello, concebida especificamente para a sala da Quase Galeria. Gera-se um ambiente de “desertificação”, propugnando valores existenciais de uma civilização que, porventura, foi erradicada ou, plausível também, retirada por decisão própria.

Rampa de cor que dá continuidade à luz e à cor, emanando da sala; ilusão de um tempo que é polícrono e polícromo (Edward T. Hall): tempo constituído de muitas coisas acontecendo e situações existindo, tantas assim quanto os tempos que se sobrepõem sobre si. São as misturas do tempo 

“Se dizemos “vermelho” (o nome de uma cor) e estão cinquenta pessoas a ouvir- nos, é de se esperar que haja cinquenta vermelhos nas suas mentes. E podemos ter a certeza de que todos esses vermelhos serão diferentes.”7 

Enunciem-se alguns tópicos desenvolvidos por Josef Albers nas suas reflexões sobre as interações das cores que potencializem a análise da obra de Bettina Vaz Guimarães:

“Misturas óticas” > perceção e matérias de cor: nenhuma das placas de cartão pinto tem a mesma tonalidade; por mais impercetível que possa aparentar: todas as 600 placas têm cores diferentes; cabe ao espetador conseguir destrinçar a ténue diferença de tom que seja mais alto ou mais baixo do que aquele que se lhe assemelha;

Transparência e ilusão do espaço > as cores são espessas e cativas; o ar torna-se denso, pois foi criada uma parede estreita e comprida, onde as cores iludem a curvatura e os pontos de equilíbrio quase tropeçam;

Fronteiras de cor e ação plástica > seus detalhes e pormenores tonais concatenados fechados dentro do formato padronizado que uniformiza a posse no espaço, no ar. Afirmam-se as cores no ar, garantindo a sedução do volume espalmado e decidido; 

Relatividade da Cor e suas subtilezas > Apesar dessa firmeza e decisão irrevogável que a sua presença marca no espaço, fá-lo com a maior subtileza, conjugando perceções individuadas e movimentos oscilatórios. Esse jogo percecional toma a dianteira sobre a relatividade e institui um jogo lúdico definível e gozoso. 

Assim, reforce-se essa ideia de quanto a cor flui e reflui, constituindo um foco secular de fruição, pesquisa, jogo que ainda amais é potenciada quando adquire consistência em espaço físico que albergue gente e propicia o movimento para ver. 

Ambas intervenções permitem estabelecer um circuito nas duas salas da galeria onde o movimento do visitante acompanha as vicissitudes das intenções das artistas. Uma é uma, sem mais: cada sala se converte num mundozinho aberto e suscetível de rasgar os seus limites desenhados ou cromatizados.

De dentro da sala onde as solicitações do deserto se agravam, anuncia-se uma rampa para o infinito, verificando que o caminho é dominado. A rampa de rectângulos de cores que concentram e distendem – sístole, diástole – converte a linha rígida em sinuosa curva que molda o mundo. Assinalam a capacidade de agir sobre o espaço desconhecido, assimilando o conhecimento artístico e encontrando estratégias para comunicar entre culturas que sejam cúmplices e ricas de significados, expandindo propostas a serem mais e mais exploradas, pois geradoras de novas assunções. A criação/conceção artística vive dessas revisitações de uma lembrança singular do artista sobre si, manifestando as suas convicções e assegurando-lhes a genuinidade que atinge os demais, sendo gregária, na unidade disponível para todos.

É um mundo feito de camadas, na obra de Bettina, onde recorde a lucidez dos Walldrawings polícromos de Sol Lewitt, nessa plenitude da assunção ímpar das cores. Em Helen Faganello, trata-se de sedimentações, de palimpsestos tecidos pela trama de memórias inusitadas e dramáticas, no isolamento, lonjura e memória...

Concatenadas, para os visitantes apresentam-se duas visões do mundo em complementaridade e saber.
A invenção torna visível a ideia de que repetir exige repetir até ser perigosamente celebrada num clamor expandido em direção à luz – neste caso desta casa, da claraboia. 

Maria de Fátima Lambert, maio de 2014.

1 Mondrian, Realidad Natural y Realidad Abstracta, BCN, Barral Editores, 1973, p.96
2 Georg Simmel, A Filosofia da Paisagem, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 2009, p.7 
3 Terra: La terre et les rêveries du repos (1946); La terre et les rêveries de la volonté (1948)
Água: L'eau et les rêves (1942); Ar: L'air et les songes (1943); Fogo: La flamme d'une chandelle (1961)
4 Georg Simmel, A Filosofia da Paisagem, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 2009, p.5
5 Georg Simmel, A Filosofia da Paisagem, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 2009, p.5
6 Idem, ibidem, p.6
7 Josef Albers, La interacción del Color, Madrid, Alianza Forma, p.10 (tradução minha) 


imagem e sentido

Por José Bento Ferreira | sobre a série Estantes

As pinturas com imagens de livros dos grandes mestres da arte clássica, moderna e contemporânea não compõem um panteão. O que os vincula entre si e ao trabalho de Helen Faganello não é estilo, forma ou conteúdo, mas o fato de que todos pertencem ao conjunto das coisas que podem ser chamadas de arte e que nessas pinturas ganha uma imagem fidedigna, o museu imaginário das estantes. São livros familiares, facilmente encontrados, que falam sobre obras únicas e quase inatingíveis. Há uma idéia forte sobre a arte posterior aos anos sessenta do século vinte, a idéia de arte autoconsciente, formulada sobretudo a partir das teses de Arthur C. Danto e Hans Belting. O artista que produz uma obra de arte e supõe que aquele objeto por si só se insere na História da Arte como episódio de uma epopéia seria um ingênuo. Semelhante ao retratista de esquina, à criança e ao diletante. O que ele faz não mereceria necessariamente o nome de “arte” e isso não por supor ser a arte algo elevado. Muitas vezes essa “proto-arte” toca assuntos nobres e divinos, como beleza e felicidade, enquanto a arte propriamente dita expõe coisas reles e mundanas, como caixas de sabão (Warhol), uma vassoura (Johns), uma cama (Rauschenberg).  A diferença entre ingênuo e autoconsciente estaria na simples tomada de consciência a respeito do que é arte. “Ingênuo e sentimental”, diria o poeta alemão Friedrich Schiller. Tomar consciência seria como quebrar o encanto, fazer a mágica explicando o truque. São as pinturas e instalações de Helen Faganello. Em nenhum momento nos enganam, não prometem abrir janelas para o mundo ou para a natureza, nem mostrar coisas bonitas. Apenas lombadas de livros. Decalques dos locais. Porém, brincam com os nossos olhos. Mostram imagens fiéis que não podem ser confundidas com objetos reais. Comprovam que as imagens por si sós não têm sentido. Algo em nós faz com que façam sentido.  Essa consciência da subjetividade seria o “fim” da arte e de sua História, na medida em que a arte se transforma em pura reflexão sobre a consciência de si. Ela renunciaria para sempre a falar sobre coisas e a se pôr a serviço de causas. Em troca, seria livre para assumir qualquer forma, desde que o fizesse com clareza de consciência, explicitando as circunstâncias particulares em que as obras de arte são vistas e sentidas. Não se trata aqui do “mundo da arte”, mas de uma capacidade que nós temos de participar do mundo da arte. Helen Faganello faz arte autoconsciente porque explicita essa capacidade de modo tão puro que não tem outro conteúdo senão alusões por meio dos livros a essa idéia que todos têm sobre a arte, mas que somente a arte explicita. As imagens dos livros interagem com o espaço fictício da pintura. Entre os livros, a pintura pode ser vista como se tivesse um grau zero de representatividade, como pura pintura, como uma pintura abstrata. Mas essa pintura faz parte da imagem. Ela é a estrutura real que sustenta o museu imaginário, a arte para-além, ou aquém da proto-arte, aquilo de que as lombadas dos livros é apenas uma imagem. 

 

image and sense

The paintings that contain images from books of the great masters of classic, modern and contemporary art do not make up a pantheon. What links them to one another and to Helen Faganello’s work is not their style, form or content, but the fact they all belong to the set of things that may be called art, which gains in these paintings a reliable image, the imaginary museum of bookshelves. These books are familiar and easily found, and talk about unique and nearly unattainable things.

There is a strong idea about art after the 1960s – the idea of self-conscious art, which was mostly based on Arthur C. Danto’s and Hans Belting’s theories. The artist who produces a work of art and assumes that the object by itself will become part of Art History just like an episode of an epopee is a naive person just like the portrayer around the corner, a child or the dilettante. What he created did not necessarily deserve to be called “art” and this is not because art is assumed to be something elevated. This “proto-art” often addresses noble and divine themes, such as beauty and happiness, whereas art itself shows mundane and ordinary things, such as soapboxes (Warhol), a broom (Johns), a bed (Rauschenberg).

The difference between what is naive and what is self-conscious would lie on the simple awareness of what art is about. “Naive and sentimental”, German poet Friedrich Schiller would say. To become aware would be like breaking a spell, making magic while explaining the trick. These are Helen Faganello´s paintings and installations. They never trick us, they do not promise they´ll open windows to the world or to nature, or show beautiful things. Only book spines. Tracings of the places. However, they play games with our eyes. They show reliable images that are not mistaken by real objects. They prove that the images alone do not make sense. Something inside us is what gives them sense.

This awareness of subjectivity would be the “end” of art and its History, since art is transformed in pure reflection on the awareness itself. It would forever renounce to address things and to serve a cause. In exchange, it would be free to take on any form, as long as it was well aware of it, making evident the particular circumstances in which art works are seen and felt. We are not talking about the “world of art” here, but about our ability to participate in the world of art.

Helen Faganello makes self-conscious art because she puts this ability in evidence in such a pure manner that its content are solely allusions – in which she uses books – to this idea everyone has about art, but only art is capable of expressing. The images from the books interact with the fictitious space of painting. Among the books, painting may be seen as having zero representativeness, as pure painting, as an abstract painting. Nevertheless, this painting is part of the image. It is the real structure that holds the imaginary museum; it is art that goes beyond, or falls short of, proto-art, and what is a mere image of book spines.

by José Bento Ferreira


janela

Por Afonso Luz | sobre a série Urbana

A cidade se espelha fragmentada nos módulos envidraçados da fachada de um edificio recém erguido. Suas faces quebradas se recompõem num lúcido espetáculo fazendo-nos experimentar a imagem imprecisa de seu rosto fictício. Tudo na superfície urbana perde sua solidez e se desfaz em espectro de luz suspenso no ar. Erraticamente vagando por este labirinto de espelhamentos tortuosos, espectadores da urbe atual, nos dissolvemos em rápidos reflexos que num relance se apagam ou se reconfiguram noutra ilusão. Caminhamos pela cenográfica rua fascinados pela informação acelerada que nos cega como quem se entrega a um alheamento prazeroso, eterno impulso ao gozo narcísico. Também a cidade, convertida em Eu, é tragada pelo encanto de sua própria imagem projetada. Sucumbimos todos à implosiva potência egóica que consome a si na veloz imediaticidade do reflexo? Ou, prosaicamente, a especulação imobiliária faz seu retrato de parede ?

Partindo dessa experiência alucinante da São Paulo contemporânea essas quase pinturas que Helen Faganello nos apresenta buscam mimetizar algo dessa lógica da imaginária reprodução urbana. Nos quadros convivem impressão oriunda da fotografia e escassa pintura com tinta acrílica, oscilando entre hiper-realismo e operação de imagem num campo fluido de linguagens estéticas atuais. Na nova série projetada para o espaço do SESC Avenida Paulista, se valendo da situação especifica, as telas ficticias dispõem-se ao trânsito da avenida capturando o engano ótico do passante. E nos perguntamos: seriam reflexos ou reflexão?

Afonso Luz, 2003

 

window

The glass modules of the facade of a recently constructed building reflect a fragmented image of the city. Its broken sides are put back together in a lucid spectacle while we experience the imprecise image of its fictitious face. Everything on the urban surface loses its solidity and melts into a spectrum of light suspended in the air. Erratically wandering around this maze of tortuous mirrors we, the spectators of the city of today, dissolve in quick reflexes that either disappear or become another illusion in a glimpse. Fascinated by the fast speed of information that blinds us as someone who gives oneself to a pleasurable distance, eternal impulse towards narcissistic joy, we walk along the scenographic street. The city as well, converted into Me, is dragged by the charm of its own projected image. Do we all succumb to the implosive egoical potency that wares itself in the speedy immediateness of the reflex? Or, prosaically, real estate speculation makes its wall portrait.

Based on this dazzling experience in contemporary São Paulo, Helen Faganello’s “almost paintings” seek to mimetize something that pertains to the logic of the imaginary urban reproduction. In her pieces, the printing that comes from photography and the sparse acrylic painting share the same space; the result is works that oscillate between hyperrealism and the operation of the image in a fluid field of today’s aesthetical languages. In the new series designed to the shown at SESC Avenida Paulista, the artist takes advantage of this particular situation and the fictitious paintings are shown to the transit of the Avenue capturing the optic mistake of the passer-by. And we ask ourselves: are they reflexes or reflexion?

by Afonso Luz, São Paulo, 2003

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Afonso Luz is an art critic, holds a B.A in Philosophy from the University of São Paulo and is a researcher in field of aesthetics and art history. He was consultant to the Monumenta – IPHAN/BID/UNESCO program for the Economy of Culture, Visual Arts and Cultural Critique; advisor to the Ministry of Culture during the Gilberto Gil administration and coordinator of the “Cultura e Pensamento” Program. He was responsible for the Brazilian participation at the ARCO08 Art Fair of Madrid, Brazilian art exportation project in partnership with APEX and Fundação Bienal de São Paulo, as well as international art fairs. He has coordinated the Brazilian Committee for Art Internationalization and Economy and the Brazil Contemporary Art Program (MinC). He was Director of Research and Monitoring and Assistant Secretary of Cultural Policies of the Ministry of Culture.